20.6.04

Poeta de um tempo perdido

Pasta debaixo do braço, ele se arrastava ladeira acima. Outra vez seus originais eram recusados. Poesias que ele parira com amor. Eram suas companheiras de muitas noites solitárias.
As recusas eram sempre gentis, mas os olhos que recusavam mostravam completa indiferença. E um certo desinteresse pela história que ele ajudara a construir.
Ele se sabia contundente. Sua vida sempre fora de contundências explícitas. Doía-lhe ainda pensar nos companheiros mutilados. Nas companheiras sodomizadas. Nos becos onde dormira tantas vezes. Nos gritos que eram calados pelo medo. Nos olhos que sonhavam com uma liberdade utópica.
Sua poesia era ele. Havia um certo lirismo, sua alma sempre festejara a vida. Mas havia sangue. Havia lágrimas. Havia amor. Havia morte. Jamais negaria a si mesmo e a sua história.
Sentia-se poeta. Mesmo que apenas ele se soubesse poeta. A poesia seria outra vez guardada até que outra vez ele criasse coragem para libertá-la.
O poeta não morreria. Apenas descansaria para criar vida nova.