7.1.05

Zé dos Peixes

Muitas vezes, em minhas pescarias despretensiosas pude admirar a paciência do velho pescador. Costumava observar a sua despojada exposição ao causticante sol-a-pique. Acho que não fazia caso do calor porque raramente eu o vi pescar nas prazeirosas sombras das árvores não muito frequentes do Panema. Usava apenas um chapéu de palha por proteção e roupas rotas pelo intenso uso. Vez em quando fisgava um lambari, um tambiú, um mandizinho chorão. Nada que fizesse volume no bornal surrado. Nesses momentos seu corpo se retesava na barranca do rio e se percebia claramente o seu prazer à caça dos minúsculos peixes fisgados. Não soube muito sobre ele, a sua atenção à pesca não lhe permitia entabular grandes conversas beira-rio, o seu mais frequente habitat. Gostava que o chamassem simplesmente 'Zé dos Peixes'. Era viúvo e tinha 3 filhos que moravam na cidade e que raramente o visitavam na fazenda onde ele estivera morando desde a mais tenra infância. No último final de ano, cumprindo a sua rotina diária, ele foi ao rio Paranapanema para a sua pescaria miúda. Pelo volume já mau-cheiroso do seu bornal, aquela parece ter sido uma das melhores pescarias do ano. O rio andava meio repontado e muitos bagres foram fisgados. Não se sabe exatamente como aconteceu, mas ele foi encontrado logo de manhã, sentado num dos seus lugares prediletos na barranca do rio, em estado de rigidez cadavérica. Supõe-se que tenha morrido na tardinha da véspera. Pela sua expressão - um esboço de sorriso - é muito provável que tenha fisgado um daqueles lépidos peixinhos prateados ao dar o seu derradeiro suspiro. Descanse em paz, seu Zé dos Peixes.